Há tempos atrás 

Como quase todo poeta

Eu me inspirei nas flores

Nas flores que crescem no asfalto


Mas como todo poeta 

Tonto

Não pensei nessa flor 

Apenas no que ela parecia ser


Eu não quero viver pra morrer 


Eu não quero não ter raízes 


Eu não quero ser essa flor 


Hoje 

Depois que tudo virou peso

A flor do asfalto

Não passa de tristeza

De quem poderia ser e não foi 


De quem foi esmagada 

E sem chance

Floriu 

E logo morreu 


Diriam os poetas

Que a flor cumpriu seu papel 

Floriu 


Poetas são esses seres anômalos

Que querem ver beleza 

Rasos

Como rasa é a felicidade 


Ninguém quer ser a flor do asfalto 


Todos devem lutar

Para ser flor do campo 


Asfalto nem deveria existir

E é aí que mora a tristeza

Profunda

Mas nada mais que isso 


Não nos inspiremos nas flores do asfalto 

Perdidas 

Longe de tudo que deve ser flor 

Vivendo onde nem devia existir


Há quem se inspire 

Nas raízes das árvores das calçadas 

Que rompem concreto e asfalto 


Mas logo são cortadas 

Ou apodrecem

Nada pode contra o concreto 

Contra o asfalto 

Porque nós somos eles


Um dia 

Como diria um outro poeta

Não existirá aqui

Nem concreto 

Nem asfalto 

Nem flores 

Nem nós 


E em outro lugar qualquer

Talvez nasça um povo 

Que nunca construa concreto 

Ou asfalto 

E assim

As flores serão exemplo 

Um povo

Qualquer coisa como nós

Mas sem concreto e asfalto 


Fim.