O chão
Suplantado
abolido

Suspensão
dos sentidos
sentimentos
de toda razão

Parte da força
para continuar
estava em não pensar

Mas agora
o pensamento me engoliu
e me pariu
eu sou ele
e ele sou eu

Você é agora
algo acima
um pensamento infinito
sem pausas
opressor
angustiante

Não há chão

E o que importa se há
apoios ou não?
Só há queda se não há chão

Agora tudo
me parece um passado eterno
um enterro sem corpo
um choro
sem causa
mas ainda assim o mais triste choro

Ouço vozes
sinto mãos em meus ombros
alguém distante caçoa
e nada disso importa

Algo em mim parece gostar
aquele algo que sempre me dizia
que nada nunca fez sentido
e só existe isso agora
meu pranto e eu
pois até quando não choro
estou chorando

Eu queria tudo de volta
mesmo que nada agora faça sentido

Eu queria uma chance
eu não suporto a ideia de viver sem você
é pesado demais
e por tanto peso
se foi o chão em ruínas

E quem é você que dava sentido à vida
senão minha própria projeção?

Foi você um emprego
a família
um amor?
Um sonho
um plano
um filho?
Foi você...
e não foi
foi tudo isso
e não foi
foi auto-engano
você foi eu
e eu, pelo visto, não fui nada

Todos nós no íntimo sabemos
que não há sentido para a vida
que todos os dias raiam e nascem
sem objetivo algum
que não seja um repetir incessante
massacrante, que não leva a nada
e a lugar nenhum

Olhamos para frente
e o que vemos?
Poeira!
Nossas conquistas?
Nosso dinheiro?
Nossas experiências?
Nosso vazio!

Os anos passam
e até o mais conquistador dos homens
se sente um fracassado
não há recompensas
há sempre mais falhas
mais desacertos

A vida é um construir sobre as nuvens
Um desejo angustiante de reconhecimento
Um show ininterrupto de falsidades

Um atropelar progressivo
em que não se respeita nada
nem ninguém
em que se elege o que
e quem amar
para agrado próprio

A vida é um ato egoísta
egocentrada
num ensimesmamento
que produz um vácuo

Até que o chão é suspenso
ou enfim sentimos que por toda a vida
só estávamos caindo

Ai, e somente ai
talvez haja esperança

O dia da perplexidade
chega para todos
dia sim, dia não
anos à frente
não importa
ele chega
e bem aventurados aqueles que caiem
e no fim encontram
nessa queda em si mesmo
os outros
todos agora no mesmo chão, real
só ai começa verdadeiramente a saga do amor
pois a vida
a vida mesmo
tem um único objetivo
um único sentido
uma única razão de ser
o amor
o amor somente
e somente o amor






Eu penso sobre o meu pensamento
Eu penso
e quando venço
há um lamento
aqui dentro

A razão
Tenta encontrar equilíbrio
e corre grande perigo
A razão
desconhece a razão
a razão do meu coração

Eu penso
penso sobre o que eu sinto
e pra mim minto
achando que o que sinto
e o que penso
não podem
jamais
entrar em consenso

Meu corpo fala
nunca se cala
mesmo quando paralisa
ele me avisa
mesmo quando se abala
ele fala

E eu penso
penso que sei o que sinto
e sinto por não concordar comigo
os sussurros do ser no ouvido
que chamam de intuição
amiga próxima do coração

E eu vivo
como quem joga consigo
sou amigo
sou inimigo
de um jogo que não quero jogar
então penso
que o meu pensamento
é um fruto como que proibido
resultado de anos perdidos
que insisto em encontrar
e encontro
na síntese do ser desvalido
que perde e acha abrigo
em si próprio
e em outro lugar

Eu não sou o meu pensamento
nem eterno nem momento
mas também não sou o que sinto
nem a verdade, nem o que finjo
não sou só mente
nem corpo
nem só coração
sou algo resultado de tudo
ou que olha pra tudo
nem razão
nem intuição
sou algo que ainda busco
mas carece de explicação