Eu ainda tenho tempo 
Essa frase saiu
Sem que eu tenha 
Ao menos, tido escolha

Eu queria
Que minha vida
Fosse feita de outras coisas
Que não trabalho
Preocupação 
Um monte de outros (n) ãos 

Me invade
Como sempre (ou quase) 
Uma tristeza estranha 
Que se emaranha
Na sua sanha
De me dominar

Há um samba
Tocado no bar ao lado
Aumenta a tristeza 
E aqui fora 
Na mesa
Duas guimbas de cigarro
E não raro
Fossem três 

Acaba de acabar a cerveja
E veja
Acabou também o samba
Mas a tristeza
Não só minha
Mas em tantas outras mesas
Não termina
Essa mina
Onde todos se explodem

Faz frio
Mas não insuportável 
De alguma forma
Me faz sentir vivo

Queria escrever um livro
Que não sei do que se trata
É das angústias que me mata
Ter um cão vira-latas 
Viver entocado em uma mata
A dez metros de uma rodovia
Onde todos os dias
Passam mil eus em seus carros

Flui assim
As palavras ao vento
Desse frio irregular 
Numa data
Em que não devia
Longe demais das rodovias
E também da minha vida

Volta o samba
No bar ao lado
Ao lado da minha casa
Casa essa que não é minha
Sobe um frio na espinha 
Tenho ainda que trabalhar!

Já passa das dez
E uma angústia me abate
Entre continuar a escrever
Pegar outra cerveja
Ou tomar banho
Angústia sem tamanho! 

Vou tomar banho
Voltarei aqui pra fora
Quem sabe o samba tenha
Enfim
Acabado
E aqui do lado
De fora
Eu
Que devia ir dormir
Pegue outra cerveja
Aumente o número de guimbas 
E volte a sorrir



Há uma multidão de vozes
embargadas em mim
Há vozes de uma multidão
embargadas em mim

Cada grito sufocado
Sufoca o próximo grito
Um murmúrio 
Contínuo 
Dia e noite
Em meus ouvidos

Há choro de todos os tipos
E tipos com todos os choros
Todos eles contidos
E contidos dentro de mim

Cada lágrima que seca
Antes mesmo de rolar
Traz consigo outras mil lágrimas 
Ferrolhos
Rolhas
Em meus olhos

E uma dor que nunca passa
Mãe de todas as dores
Das dores de todas as mães 
Mais cruel que um parto
Me aperta e me dilata
A cada passo






A vontade
Vem e passa
Vem e passa
Vem e passa

O desejo
Vem e laça
Vem e laça
Laça e passa

Mas há algo
que nos mata
vem e vem
e nunca passa

nunca passa
nunca passa
até que passa

Sempre e nunca
tudo e nada
são fumaça
que fumada
vai e passa

Mas há algo
que no tempo se espaça
se dilui em quase nada
e em tudo se embaraça
vem, vem e vem
e nunca pasa
nunca passa
até que passa




Eu só queria
uma casa
que atrás dela
não houvesse mais nada

Eu só queria
que esse nada
fosse um nada de cidade
e que nele
houvesse pássaros
e árvores

Seria, ó Deus
pedir demais?
Uma casa
onde a não hovesse
atrás

Que ela pertencesse
também, ao nada
esse nada da cidade
nem muros
nem grades

Eu só queria
uma casa
e que seus fundos
fosse uma janela
pra outros mundos

Eu só queria
ó meu Deus
e me diga se peço demais
que esses mundos
fossem qualquer coisa
que não tivesse muro

Fosse verde
e que tivesses goiabas
e que tivesse água
e que tivesse
pra dentro
eternas moradas

Eu só queria uma casa
para meu menino
correr pela estrada
que não daria num muro
nem numa encruzilhada
que daria
no que pra cidade é nada
muito verde
água
e um pé de goiaba


Fiel no pouco
Quando colocado no muito
acho o muito
muito pouco
e continua fiel
porque não é fiel ao pouco
e nem ao muito
é fiel a outra categoria
onde não há muito
nem pouco


Infiel no pouco
porque o pouco
é muito
porque não tem nada
porque ter
é ser
nesse caso
Quando no muito
é mais infiel
porque o muito
virá pouco
pra sua ambição


Quem tem tudo
mesmo não tendo nada
é fiel


Quem não tem nada
acha que merece muito
e é infiel


Para o fiel
só vale o tudo
e o muito não é nada
continua fiel


Para o infiel
vale qualquer coisa
e nunca terá nada
mesmo tendo muito


Para o fiel
muito não é nada


Para o infiel
tudo não é nada


A pérola de grande valor
só tem valor
para quem
o muito não é nada


E para quem a pérola
não é nada
o tudo que tem
é tudo que pode ter


Não há um só 
E se há,  não há quem o ache.

Perdi
Como diria meu amigo Wesley
Aliás,  nem sei se tenho amigos
Perdi
Perdi as estribeiras
Mesmo que eu não saiba o que seja isso

Estribado em minhas elocubrações
Coisa rara, aliás 
Não me sinto só 
Foi-se o tempo de sentir
Seja lá o que se sente
Estou só 

Ainda assim
(E demorei a entender que não era "ainda sim")
Sinto todos os flagelos da vida

Tela branca
Pedindo minhas palavras
Quando palavras não há 

Tenho saudades do caderno
Da folha a4 escanteada
Do pedaço de papel qualquer 
Mas tenho preguiça 
De ir até o quarto
Ou até qualquer lugar
Onde haja ainda
Uma folha de papel em branco
Ou mesmo
Que seja
Como muitas vezes
Só um pedaço que coubesse meu lamento

Vítimismo 
Frágil 
Nunca poderei dar
Aquilo que esperam de mim
Covarde!

Já invejei os ignorantes 
Mas não mais
Tenho asco
Mas tenho mais asco de mim
(Poderia ter escrito nojo,  mas isso é uma poesia)

Isto é uma poesia
Não gosto da palavra poema
Isto é uma poesia 
Pó 
És 
Ia
Ia
Ia
Ia (e isso não é um "L" minúsculo,  mas um "i" maiúsculo) 
Maldita tela
Onde está o papel? 
Nele ninguém confunde meu L com i
Na verdade não sei
Não me lembro da minha letra
Na verdade me lembro sim
Mas ficou bonito mentir na poesia
Talvez seja o único lugar que eu minta
Ou talvez não 
Eu me lembro da minha letra
De todas as letras que tenho
Culpa das professoras
Que me criticavam
Essa letra feia, ilegível 
Criei, 5, 10 modelos diferentes
Mas quando escrevo
E escrever é somente poesia
Escrevo com a velha letra inimiga das professoras 

Eu já devia ter tomado banho
Vou incomodar alguém 
Mas importa se agora ou daqui a 2 horas? 
Vou tomar banho, ainda ei te tomar!

Por ora (e que merda, esse "ora" é mesmo sem "h")
Vou fumar o cigarro
Cigarro que parei de fumar há um mês e pouco