Dedicar uma canção
à felicidade
é como esquecer todo o sofrimento
Correr!
E correndo
encontrar o vento
Nesses entardeceres da cidade
sinto, pesando
todos os pesares
como se o cinza
fosse o relato
de toda nossa verdade
E o céu que se cobre
com a fumaça da nossa vaidade
esconde sem esconder
dentro de uma nebulosa
a nossa maldade
Existe, atrás, bem atrás
de toda essa claridade
uma estrela que brilha
em nossos sonhos
(felicidade?)
Para enlouquecer-nos
e para que não saibamos jamais
que tudo isso é utopia
essa mentira repetida
contada dia-a-dia
A felicidade é a dor
a dor mais mórbida da humanidade
que corre
e morre
sem alcança-la
A felicidade é assim
essa coisa ensimesmada
que no fim de tudo
não resulta em nada
E atrás dela
de nada em nada
caminha essa capital humanidade
Correram as águas
passaram
passaram por mim
as águas mansas
as águas mansas do fim
Senti o cheiro do tempo
do musgo, da poeira, da ferrugem
e do tempo que não se pode sentir
Senti as águas passarem
as águas correntes do fim
Olhei para o sol e era tarde
o ocaso caiu sobre mim
o horizonte ainda mais distante
distância que não se pode medir
Molharam meus pés essas águas
As turbulentas águas do fim
Sentei-me nas cinzas da vida
No escuro já tão eminente
no escuro onde me vi
batizei-me nas imóveis águas
nas águas profundas do fim
Renasci
Para saber o que sempre se sabe
que por todo tempo iludi
estive imerso
imerso e respirando
das águas
as águas
as infindáveis águas do fim
Eu vi muita gente
muita gente se acomodando
se acostumando
Fazendo a troca
e se tornando
a cada dia
algo que eles mesmos desconheciam
Diziam:
Foi a vida
Como se a vida tivesse culpa
como se a culpa fosse imperdoável
como se o perdão não existisse
Eu vi os seus olhares mudarem
e carregarem uma tristeza
bem lá no fundo
Vi seus sorrisos se afrouxarem
e com os dias se tornaram amarelos
Eu vi a vida se tornar existência
E a existência se tornar pesada
Vi o peso vencer a alegria
e tudo se tornar rotina
Eram mães, esposas e maridos
velhos, crianças, filhos
Gente de toda sorte
Existindo em uma vida de morte
Sem norte
Pra onde quer que se olhe
Os olhos não param de ver
sonhos mortos
sorrisos tortos
Os vi desistirem
do que não se deve desistir
Vi suas fotos
e olhei em seus olhos
Li suas palavras
que não diziam mais nada
e chorei.