Não existe fim premeditado
Quando se sabe do fim
é porque o fim
em alguma hora
chegou de surpresa

O fim é sempre como algo derramado
um copo quebrado
no susto de um gesto desatento

As lágrimas vem
para quem já havia acabado
Porque a surpresa paralisa
e no espanto não há choro

O choro vem após o fim ser decretado
mas vivido antes
bem antes

Lágrimas são como chuva
que regam o deserto do fim

O realista sofre menos
Sofre à prestação
Foi pego pelo fim em algum momento
mas parcelou a dor
viveu o luto
mesmo quando ainda junto
Viu o paciente partir já em estado terminal
Teve tempo de se despedir

O esperançoso sempre é pego no repente
Como uma bala perdida
um atropelamento
Um enfarto fulminante em um jovem
Cai no espanto
Entra no limbo da perplexidade
Atónito
Sem movimentos
Paralisado

As lágrimas do realista são como doce chuva
São da despedida do velho avô
que se foi de velhice

Os olhos secos e petrificados do esperançoso
onde rola uma única lágrima
que é como uma mensagem
um broto novo em árvore caída
só pra lembrar que ali existe vida

Certo é
que decorrido o tempo necessário
o choro estoure como uma barragem amontante
contida, transbordante de dejetos
mas ninguém vê
e quem morre
ela
o derradeiro
sobrevivente
Esperança